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Processo Multimeios e Outras Informações - A Casa de Bernarda Alba



"A CASA DE BERNARDA ALBA" - O preço de uma paixão proibida

      A história se passa no interior da Espanha, em meados do século passado . Tudo tem início quando a viúva Bernarda Alba , decreta um luto de 8 anos para a família , encarcerando suas 5 filhas jovens dentro de casa. Nesse clima de repressão desencadeiam-se paixões proibidas provocando uma discórdia familiar com proporções imprevisíveis. Isto porque, as heroínas de Bernarda Alba estão decididas a livrar-se da virgindade a todo custo e portanto a custo da própria morte. Virgens e mártires são elas as protagonistas do drama das mulheres andaluzas e de todas aquelas sufocadas pelas regras de uma sociedade opressora.

POR QUE MULHERES?

     Nessa peça de García Lorca, os protagonistas são predominantemente seres femininos , vítimas , mas cúmplices e carrascos de si mesmas, na perpetuação do código estabelecido pelo homem. São mulheres para as quais sobrou apenas um tempo: o tempo da espera, da espera do nada, prisão em que consomem sua capacidade de amar e sua vocação para a liberdade.

     Tanto em sua poesia como em sua dramaturgia Lorca provém de um símbolo distante no qual a sacralidade da vida orgânica é manifestada em muitas mitologias através do tema da fecundidade e seus conexos : a geração, a esterilidade, a sexualidade, a virgindade, a nupcialidade e a maternidade.

     Para as heroínas de Bernarda Alba, sacrificar a virgindade ou romper com o malefício da esterilidade são para tais mulheres outros tantos modos de comunhão existencial e de salvação, porque para esse tipo de feminilidade o homem - amante ou marido - só é importante em função da salvação que ele traz .

     O ciclo da fecundação, subjaz em Bernarda Alba para além do vicio ou da virtude - morte, vida, sangue, lágrimas- culminando como a tragédia zênite desse conflito.

ANDALUZIA EM TERRAS MINEIRAS

     Para o grupo Multimédia mergulhar de cabeça numa peça teatral desta natureza , significa, sob a mesma influência de Lorca, promover uma forma de aproximação com nossas tradições e raízes mais profundas.
A trama dramática A Casa de Bernarda Alba está muito próxima de uma realidade mineira onde luz e sombra se intercalam como uma montagem fotográfica em preto e branco, símbolos de nossos valores repressivos aliados aos nosso próprios anseios de liberdade e exaltação da vida.

     Se podemos perceber na nossa natureza, os ímpetos luminosos de ruptura e os profundos mergulhos no desconhecido, temos que reconhecer que ainda permanece em nosso íntimo, resquícios de costumes conservadores, preconceitos velados contra gestos e atitudes ainda não contextualizados, além de uma conivência com o sofrimento e a dor. São estas, atitudes próprias de uma sociedade impregnada de culpa, uma culpa ancestral religiosa que teme a alegria e o prazer de viver .

     Queremos por outro lado revelar um aspecto surrealista do povo mineiro , conseqüência de um jeito de ser ensimesmado que alimenta o fluir de um inconsciente , rico em imagens e situações insólitas que vão se expressar não só na arte como também nas manifestações corriqueiras de nosso próprio cotidiano.

     Sob uma perspectiva humana mais abrangente A Casa de Bernarda Alba , em seu contexto binário de luz e sombra, vida e morte, paixão e ódio , instinto e poder, nos faz defrontar com os pólos extremados , conflitantes que compõem nossa estrutura vulnerável enquanto seres humanos universais . Por tudo isto, esta obra vem de encontro a um desejo nosso de trazer para a cena - mais do que a forma, o objeto, o som, ou a musica - pessoas de verdade, gente parecida com a gente e com outras pessoas com as quais convivemos, revelando-as em sua fragilidade , colocando-as frente a frente com a sua impotência diante dos mistérios da vida, do amor e da morte.

PROPOSTA CÊNICA DO ESPETÁCULO

     Dando continuidade à proposta multimeios que caracteriza o Grupo Oficcina Multimédia, incorporamos o vídeo no espetáculo , trazendo para a cena imagens de Ouro Preto numa alusão à nossa tradição mineira , em seu aspecto ao mesmo tempo sombrio e magnífico. Com ele também transitamos pelo lado de fora da casa de Bernarda Alba e nos deparamos com a crueza e as promessas de um mundo cheio de mistérios ao qual as heroinas , trágicas em sua condição de prisioneiras, não têm acesso.

     A movimentação cênica dos atores é resultante de uma operação construtivista que se manifesta também na elaboração do cenário. As estruturas de volumes, de múltiplas ordenações simultâneas e de reordenações de planos compõem o espaço , sob o enfoque de uma visão cubista, fiel à própria linguagem de Lorca em seus poemas. Neste cenário transitam os personagens rompendo as fronteiras espaciais entre interior e exterior , alto e baixo, plano e inclinado em seus diversos níveis, ambientando cada um dos três atos do espetáculo de acordo com sua tensão dramática peculiar.

     A trilha sonora de Bernarda Alba faz uma referência à tradição mourisca na cultura hispânica , através dos sons e ritmos das tablas islâmicas - próximos também aos da música brasileira - assim como incorpora aos instrumentos primitivos da cultura oriental, (China, Tailândia, Romênia ) a sonoridade lânguida dos violões espanhóis ( Joaquim Rodrigo, Manuel Maria Ponce, Issac Albeniz, Francisco Tárrega ) e sua construção melódica similar ao de nossa modinha mineira . Como pano de fundo , a sonoridade dos sinos da Igreja S. Francisco de Assis de Ouro Preto, ambientam a atmosfera de um funeral e a presença da morte dentro do espetáculo.

     As citações visuais de Pablo Picasso e suas " Demoiselles d'Avingon " marcando o início do cubismo na história da arte, assim como a de Velazquez , "As meninas", fazendo uma alusão ao binômio tradição/vanguarda na obra de Garcia Lorca, foram recursos utilizados na programação gráfica de Adriana Peliano com o objetivo de referenciar a própria cultura hispânica e homenagear García Lorca, seu dramaturgo mais importante marcado pela mesma ambivalência em toda a sua obra.


"O teatro é um dos mais expressivos e úteis instrumentos para a construção de um país, barômetro que marca a sua grandeza e sua decadência. Um teatro sensível e bem orientado pode mudar em poucos anos a sensibilidade do povo ; e um teatro arruinado pode degradar e adormecer uma nação inteira. Neste momento dramático do mundo o artista deve chorar e rir com seu povo. É preciso deixar de lado as açucenas e enfiar-se na lama até a cintura para ajudar aos que procuram as açucenas. Particularmente eu tenho a ânsia de me comunicar com os outros. Por isso bati às portas do teatro e ao teatro consagro toda a minha sensibilidade".

(Federico García Lorca- 1898/1936)